terça-feira, 30 de junho de 2009

As Pontes de Madison (Clint Eastwood, 1995) - 10




“Os velhos sonhos, eram bons sonhos. Não se realizaram, mas estou feliz por te-los tido”.

E foi apartir daí, do momento em que essa frase foi dita, que uma certa barreira emocional foi destruída em mim, que no intervalo silêncioso dessa frase duas expressões identicas se refletiram, é o cinema virando um espelho, e se intensificou depois, no momento em que o Clint Eastwood fica parado, na chuva, refletindo, se essas palavras que foram proferidas por sua própria boca ainda representavam o seu pensamento, e todo o meu conceito do que representava essa arte foi espatifado. Extremamente difícil de entender o que aconteceu comigo desse momento em diante, mas eu não assistia mais o filme com a visão egoísta da satisfação própria, eu não me importava comigo mais do que com eles, pelo contrário, a melhor forma de descrever – mas ainda assim passaria longe – é quando uma pessoa reza pela vida de quem ama “por favor, puna a mim, mas poupe ele” e era mais ou menos isso, eu abdicava da minha satisfação em nome deles, não me importava com a minha frustração (mesmo sem entender o que isso possa significar) só estava grato por acompanhar o que eles estavam vivendo até ali. Só me importava em sentir, não interessa o que, e então meu corpo virou um canalizador de emoções. E foi então a experiência mais intensa que o cinema me proporcionou.

Persona (Ingmar Bergman, 1966) - 10


Nenhum ser humano é livre da culpa que sente por determinada coisa que tenha feito ou pensando em fazer em sua vida. O remorso é talvez o sentimento mais corrosivo que se pode carregar. Quando o temos, o levamos para o resto da vida, e a nossa única defesa é encarcera-lo em algum lugar inatingível do nosso intimo. O trancamos ali e esperamos pra ver o que acontece. Dificilmente ele vá sumir, pode vez ou outra colocar suas mãos por debaixo da porta balançando o dedo insinuantemente nos lembrando de que ele ainda vive por ali. Mas aprendemos a conviver com ele, de um ser estranho vira uma parte indigesta da personalidade, mas parte da pessoa, está sobre o controle, desde que as portas não sejam completamente escancaradas novamente.

Não se sabe porque, mas Elisabeth, uma respeitada atriz, resolve de uma hora para outra parar de falar. Ela não ficou muda ou louca, apenas parou, como se engrenagens parassem de rodar, ou quando um ator esquece o texto de uma peça e se esforça para puxar da memória, Elisabeth esquece do porque de continuar com qualquer coisa. Ela fica oca, não no sentido de alguma alienação emocional, mas na incapacidade de achar sentido para qualquer uma de suas emoções. Ela vira uma espectadora passiva dos seus sentimentos e dos outros, não sente, apenas analisa. Alma, uma enfermeira, é encarregada de cuidar de Elisabeth em uma casa isolada na praia. Quando uma irmã pergunta para Alma o que ela achou de Elisabeth a primeira vista, Alma diz que ainda não tinha uma impressão muito clara, mas que parecia ter um semblante suave, como o de uma criança, mas com um olhar maligno. Elisabeth é um dos seres mais diabólicos criados pelo cinema.

Isoladas do mundo, Elisabeth e Alma criam um vinculo emocional intenso. Alma falava e Elisabeth ouvia. Se completavam no pior sentido que essa palavra pode carregar. Elisabeth seduzia com uma expressão acolhedora, seu suposto desvinculamento com a realidade, e Alma falava de tudo, mais do que podia. Alma falava sem parar, como uma caixa de música que não para de tocar enquanto alguém continuar girando a manivela, e Elisabeth é quem faz isso. Elisabeth seduz Alma a espiar pela fechadura, depois abrir apenas um pedaço da porta e olhar pelas frestas, ou quem sabe colocar só um pé para dentro, até finalmente escancarar e deixar com que tudo saia de dentro. As palavras de Alma entram em confronto com o silêncio de Elisabeth. O silêncio de Elisabeth faz com que as palavras de Alma saiam de forma extremamente impactante. É como se ela falasse algo e o silêncio que exalava de Elisabeth refletisse essas palavras, fazendo com que elas ganhem forma, com que a culpa ganhasse contornos, ricocheteando na sala até atingir novamente quem as disparou. Elisabeth é um espelho que faz você lembrar do seu pior lado, e faz esquecer de qualquer outro, é a personificação da culpa, algo demoníaco. Não demonstra nada, apenas ri.

Paris, Texas (Wim Wenders, 1984) - 9


Não existe um “meio homem”, ou se é inteiro ou não se é nada. Então Travis tinha consciência de que no momento em que perdeu quem amava ele não era nada. Ela havia deixado seu filho na casa de seu irmão e partiu, ele fez o mesmo. Vagou pelo deserto como um espectro perdido em busca de sua alma. Em busca de qualquer coisa que o faça um ser humano de novo. Tinha a aparência de quem foi abduzido por um óvni, e agora vaga carregando o incomodo segredo de saber mais do que sua limitação permitia. Se isolou para pensar, ou para esquecer o que puder ser esquecido, e o que não puder, pelo menos ser disperso pelo monte de nada a sua volta. Ou só para encontrar a liberdade, ou claridade. Ele fugiu ou fez o que achava certo, o que realmente não importa. Ele apenas foi, pois precisava ir. Vagou por 4 anos sozinho, abdicando até da companhia da sua voz. Deixou as saudades enrugarem assim como um lábio exposto no sol sedento por água. O deserto indecente o seduzia com promessas de esquecimento. Quanto mais ele seguisse, menos se tornava, e conseqüentemente, menos teria do que se lembrar. É um processo de desumanização. De desencontro emocional. De estar onde nunca esteve para não lembrar do que já foi. De usar o mundo como esteira de academia. O problema é que, assim como um lábio volta a pulsar quando beija a água depois de muito tempo, a saudade e todo o podre conjunto que sempre a acompanha, volta com mais intensidade depois que qualquer estimulo do passado encosta no seu ombro. E esse estimulo maldito foi seu irmão, que o retirou do seu voluntarioso encarceramento ao ar livre – porque mesmo tendo todo o mundo para percorrer, era como se grades invisíveis estivessem o cercando, a diferença é que teria que caminhar um pouco mais para chegar nelas, sempre teria que dar um passo a mais. Ele foi retirado do deserto que o amamentou por todos esses anos, e jogado em um poço preso com seus fantasmas do passado: seu filho e a lembrança da mulher.

Seu filho, de agora 7 anos, estava morando com seu irmão e esposa. Apesar de o amar desesperadamente, o remorso o corroia por dentro. A culpa de não ser o que o garoto precisava, de não ter ficado com ele por não ser apto para isso. Mas 4 anos poderiam ter sido tempo o suficiente, e então pai e filho, partem em uma jornada pessoal para encontrar a mamãe. Apesar de reticente no começo, o próprio garoto, mesmo com toda sua ingenuidade e despreparo para o mundo, entendia que o motivo que fez com que o pai não ficasse com ele por todos esses anos era maior. A melancolia que o pai passava pelos olhos o comovia, fazendo com que esse fosse incapaz de odiá-lo, mas sim ama-lo, como se ama um pai realmente. E então eles partem. O certo naquele momento é encontra-la, assim como o certo antes foi vagar sozinho. Não existe o porquê racional, apenas o impulso emocional, e que ambos estavam ligados no mesmo objetivo.

Eram 3 almas que só conseguiriam ser inteiramente felizes juntas, o que era impossível de acontecer. A viagem ganha contornos suicidas, já que sabemos que ninguém vai encontrar o que procura. O máximo que pode acontecer é uma chance de um novo enfrentamento ou algo do tipo. É a angustia de um cara que foi fadado a andar em um mundo pequeno demais para o seu remorso e saudade.

Neblinas e Sombras (Woody Allen, 1992) - 9


Caramba, me surpreendi bastante. Como nunca tinha ouvido falar nesse, fui pensando que podia ser aqueles Allen menores, tipo Trapaceiros etc, só pra dar umas risadas mesmo, mas ele usa um ambiente pesado, soturno, com aquela neblina em movimento sempre, becos sem saída, paredes estreitas, aquela sensação de janelas vazias, de que mesmo com pessoas por de trás delas, nenhum grito seria ouvido, ou apenas ignorado. Joga um assassino pelas ruas com a intenção de aflorar o questionamento sobre a morte, e utiliza todo o ambiente pra brincar com os dois personagens, modificando a vida deles da mesma forma que a neblina e sombras modificam aquela cidade. Tem uma parte com a Mia Farrow e o Woody Allen, em que eles estão perto de uma ponte e olhando pro céu, bem quando a neblina decide dar uma tregua, e tem um diálogo mais ou menos assim, que ela começa falando:

- Mas isso é real, não? E bonito. Basta pensar sobre isso por um minuto. Aqui estamos nós, dois desconhecidos, andando pela noite, e está tudo tão.. tranquilo e sossegado. De repente surge uma brecha na neblina e podemos enxergar as estrelas. Este momento não parece perfeito?
- Sim… Mas, sabe, passa tão rápido. Veja, a neblina está voltando. Tudo está sempre se movendo. Em constante movimento, não me admira que eu fique enjoado.

Tudo está em constante movimento no filme. A neblina, a cidade, os personagens, a morte, a vida, a sombra e principalmente o tempo. É como se o importante fosse apenas fazer parte desse movimento, essa seria a recompensa. Como quando o personagem do John Cusack fala “suicidio, já pensei nisso. E em boa parte do tempo meu cerébro falou ‘pq não?’ Nada tem sentido. Mas alguma parte do meu sangue sempre diz ‘viva, viva…’ e eu sempre escuto o meu sangue”. E é assim que o Woody Allen brinca no filme. Ele joga os dois personagens na cidade, que mais parece uma maquete, ou um labirinto de ratos, e adianta manualmente o relógio da forma que bem entende, não na questão do tempo, mas das consquências que aquele movimento vai causar na vida deles. E fora que tem algumas das melhores frases dele. Ah, e é engraçado pra caramba.

Marcas da Violência (A History Of Violence – David Cronenberg, 2005) - 10


Logo no início do filme, quando Sarah, a filhinha de Tom, acorda gritando depois de um pesadelo, ela diz que: “havia monstros aqui”, e a cena que precede isso é a qual dois assassinos fazem uma chacina em um desses hotéis de beira de estrada, como se esse fosse o pesadelo que ela teve, como se eles fossem os monstros. E Marcas da Violência é isso, uma guerra sobre a lama, monstros matando monstros, e os respingos disso fazendo vitimas que não tenham nada a ver com a história. Na verdade o título original “history of violence” é perfeito, já que tudo não passa de uma espécie de conto de fadas invertido, onde ao em vez de ser uma história para se contar para crianças ninar, deveria ser lido por algum aspirante a bandido que esteja em alguma detenção infantil, como a Cinderela dos marginais. Já que o protagonista, o “herói” que é nos dado para torcer, é simplesmente o maior filho da puta do filme, e um dos melhores vilões da filmografia do Cronenberg.

O que há em Marcas da Violência é um confronto entre o que parece ser e o que realmente é, Cronenberg cria uma mística em torno de Tom Stall semelhante a que Clint Eastwood fez com Bill Munny, em Os Imperdoáveis. Ele torna um personagem comum, uma pessoa comum, dedicada a família, amigos, trabalho, etc… Em um ser alienígena, de estudo, daqueles que olhamos com desconfiança como se tivesse uma bazuca por de baixo da pele. Quando olhamos pra Tom enxergamos o tipo de cara que acorda no meio da noite para tranquilizar a filha depois de um pesadelo, que é recebido na rua por quem quer que seja sempre com um sorriso no rosto e uma entusiasmada saudação, que é idolatrado pela família como se fosse um herói e etc… Cronenberg filma Tom assim, filma da forma que Tom gostaria de ter sido, e ao mesmo tempo, sugestiona algo totalmente diferente. Cronenberg nos mostra a ilusão da vida perfeita, e depois nos lança para realidade violenta e podre. Ele torna Tom no herói modelo a ser seguido, e depois, inesperadamente, destrói toda a imagem que tínhamos criado até ali, nos dando apenas duas alternativas de como seguir o filme dessa hora em diante: torcer para que Tom se safe e continue com seu castelo ilusório que construiu até ali, ou que sofra as consequências por ser o que realmente é.

Tom não existe, apenas Joey. Torcer para ele é como torcer para a impunidade. É acreditar que um arrependimento moral (que não existiu também, apenas uma fuga covarde) seja o suficiente para livra-lo da pena de toda barbárie que já tenha cometido. Quando sua esposa descobre toda a verdade, de que no passado tinha sido um assassino covarde no qual sentia prazer em eliminar suas vitímas, ele alega que essa pessoa não existe mais, que tinha ido até o deserto, passado anos, até conseguir fazer seu último assassinato, – simbólico – de Joey. E isso na verdade cria vários paradoxos ideológicos para o personagem: Joey criou Tom para se dar uma nova chance, criou Tom para se livrar de Joey, dar o castigo que esse merece e continuar vivendo uma vida comum. Acontece que Tom foi criado para matar, e isso evidência todo o comportamento violento do personagem. Ele cria um assassino para acabar com outro. Ele acaba com a mente de Joey, que usou aquele corpo para todo tipo de violência, e coloca no lugar uma igualmente mente assassina, se não fisíca, pelo menos psicológica. Não interessa se é Tom ou Joey, ambos são igualmente assassinos e perturbados. E o fato de Tom (ou seja quem for) querer “matar” Joey, é equivalente a querer acabar com o remorso, o mínimo de castigo que ele deveria carregar consigo. O justo. Se o arrependimento fosse verdadeiro, o mínimo que poderia fazer é viver sendo Joey, lamentando o que fez, acordar suado a noite com pesadelos sobre suas vítimas, com as famílias que ele destruiu. Se não sofrer as consquências físicas, pelo menos as psicológicas. O seu suposto arrependimento foi o suficiente para ele se dar uma nova chance, achar que tinha o direito de começar uma nova vida, com uma nova família, e sair impune de qualquer ato que tenha cometido, e isso é a principal prova de que não existiu arrependimento, existiu um desgaste, uma vontade de levar uma outra vida, ele decidiu ser bom da mesma forma que antes decidiu ser mal, foi uma escolha sem muitas reflexões “agora eu sou bom, não vou mais matar e quero levar uma vida comum”. Acontece que não a volta depois que se puxa o gatilho, principalmente repetidas vezes. Ele merecia um castigo do qual se deu o luxo de esquecer.

Quando o passado surge a tona de novo, a fins de desmoronar toda a ilusão de vida que ele havia criado, Joey surge imediatamente do nada. Ele volta a matar, adere ao seu antigo comportamento assassino, entende talvez que aquelas pessoas merecem morrer. Mas merecem morrer por serem o que ele já foi (ou é)? Isso não importa, e Joey decide convenientemente reviver Joey, pelo menos as habilidades assassinas dele. Ele mata quem julga merecer morrer, principalmente se esses ousarem desestruturarem a família que ele levou tanto tempo para formar, a vida que lhe deu tanto trabalho para criar. Tom vira um alter ego e Joey uma identidade secreta, o homem para o trabalho sujo, e quando esse acaba, volta a ser novamente Tom livre dos remorsos e tudo mais. Acontece que Tom não existe, e quando ele deixa Joey tomar as redéas novamente, ele mesmo se da conta disso. A última cena, do jantar, ele voltando pra casa, não é apenas a melhor cena do filme – e que sintetisa o filme todo – mas sim a melhor da filmografia do Cronenberg, e uma das melhores do cinema. É Joey entrando em casa pela primeira vez (ok, sempre entrou, mas agora concientemente) e tendo que encarar pela primeira vez sua família sendo um assassino. E mais, tendo que encarar a família de mais uma de suas vítimas, já que Joey criou Tom, e Joey, da mesma forma, matou Tom. Tom não existe mais. Ele mata o marido da sua própria esposa e pai dos seus próprios filhos. Ele vê sua filha colocando um prato a mais na mesa para o assassino de seu próprio pai. Acaba com a família das pessoas que mais ama, e a expressão dele diante disso (aliás, o Viggo tá um monstro aquela hora) é de uma melancolia desesperadora.

Finalmente ele começa a sofrer as consquências, e as coisas tentendo a melhorar devido a desgraça interna que ele sofre. Já que não poderia existir justiça se não o sofrimento para ele. Ele é tão monstro quanto qualquer outro que tenha matado, e merece tudo aquilo, apenas se escondeu atrás de uma família convencional.

Assim Caminha a Humanidade (George Stevens, 1956) - 8




A primeira imagem que temos do filme é o enorme Texas, cercado de nada por toda a parte, com um riacho se insinuando mais a frente. Logo vemos uma nuvem de poeira se aproximando, um rebanho de gado sedento, correndo o máximo que podem até seu pote de ouro. A medida que se aproximam o rebanho diminui a velocidade, quando a água está diante de seus olhos eles caminham calmamente, ordenados, até suas bocas encontrarem a recompensa. E depois? Depois são gados com sua sede saciada, nada mais. O riacho tão excitante de antes vira uma poça no meio do deserto.

O que o ser humano busca? Matar a sede? Matar a fome? Matar o que? Ter dinheiro o suficiente para… O que? E depois?

Assim Caminha a Humanidade narra a história de várias gerações de uma mesma família Texana, mostra as mudanças de um País com descoberta e consolidação do “ouro negro” nos Estados Unidos, denuncia o preconceito descabido em uma América supostamente em estado de evolução, mas acima de tudo lança e brinca com a proposta do: o que na verdade é a evolução, e o contrário disso? Em Assim Caminha a Humanidade o mundo evolui da mesma forma que seus personagens evoluem, e pra mim isso é o mais interessante mostrado.
Jordan – Bick – Bennet, um Texano ferrenho, daqueles que não consegue separar o lado político do pessoal. do tipo “falou do meu digníssimo Estado falou da minha digníssima mãe” (visão parecida que o Brasil tem dos Gaúchos), vai até a propriedade de um fazendeiro, em outro estado, para comprar um puríssimo sangue rebelde, do qual nunca deveria ser montado por uma mulher – Menos Leslie. E o encontro com o animal é justamente também com Leslie, filha do Fazendeiro. Imediatamente Bick apaixona-se pela moça, devido sua sinceridade e espírito confrontador. Leslie não esconde quem é, já em seu primeiro encontro com ele o acusa de ganancioso e ofende seu Estado. Mesmo ofendido o inevitável acontece, ele se apaixona pela rebeldia da moça e se casam. Lua de mel blá,blá,blá. Se conhecem a poucos dias e Leslie acompanha seu marido até sua nova casa, no Texas.

O choque é inevitável. Trocar o verde acolhedor da fazenda de seu pai, pelo laranja agressivo do redor de sua nova casa. O som dos pássaros beijando as plantas, pelo ronco do vento que mais parecia uma navalha (do tipo que pesava no ar, como se pudesse montar nele). E aí que realmente surge Leslie. O tipo de mulher que não precisa se adaptar ao ambiente, o ambiente que se adapte a ela. Já nos primeiros minutos no seu novo lar as diferenças nas personalidades dela e de seu novo marido começam a aparecer. Enquanto Leslie é uma idealizadora (e naquela hora talvez nem saiba ainda), na qual trata todos iguais, independente do que seja; seu marido mostra-se preconceituoso e arrogante. E pra piorar, Leslie tem um encontro com Luz, irmã de Bick e até então a mulher da casa. A única semelhança entre Luz e Leslie é a de não se importar em mostrar quem realmente são, ofenda quem ofender. E Luz não faz questão de esconder que a presença de Leslie na casa a desagrada.

Os primeiros dias da moça em seu novo lar são um inferno, ter que aturar a irmã megera que faz questão de mostrar quem manda, se adaptar a uma cultura totalmente diferente da sua, o descobrimento que ela e seu marido talvez não tenha tanta coisa em comum assim, e que agora mostrava todo seu preconceito até com ela, que o impedia de participar das conversas políticas apenas por ser mulher… E é aí que surge Jett Rink (James Dean), o personagem mais interessante do filme. Um misto de Foster Kane com a própria personalidade do ator. Cheio de ambição, cheio de paranóias, e completamente apaixonado por Leslie. Rick é um peão que trabalha nas terras de Bick. Bick não gosta de Jett, e a recíproca é a mesma. O único motivo que faz com que Jett ainda trabalhe naquelas terras é Luz, que nutre muito carinho pelo rapaz. E é aí que o filme começa a brincar com o espectador e a proposta: do que diabos é evolução? Tudo se encaminha perfeitamente para o caminho mais manjado possível: a moça idealizadora casa-se com o bruto preconceituoso, que será libertada pelo rebelde espirituoso. Mas não é bem assim. Os anos vão se passando, nenhuma personalidade vai mudando, e mesmo assim as coisas se mostram exatamente iguais. Leslie com Bick, e Jett sozinho.

O tempo passa e Luz morre em um acidente de cavalo (o cavalo que Bick foi comprar quando conheceu Leslie). Ela deixa em seu testamento um punhado de terras para Jett. Bick oferece o triplo do que aquelas terras valiam apenas para voltar a ter todo o controle de seus hectares de volta, mas por arrogância, ou talvez “visão de mercado”, Jett prefere ficar com o presente que lhe foi deixado. E faz bem, já que certo dia, Leslie vai visitar Jett em sua nova casa em sua nova terra, e acidentalmente, na despedida, pisa em um lamaçal fazendo com que um óleo preto surja do chão. Mas antes que ela pise, antes de ir embora, Jett e Leslie têm talvez a conversa mais importante do filme e que, de certa forma, já antecipa o futuro de cada personagem. Jett pergunta brincando se, por acaso, Leslie não teria alguma irmã bonita interessada em um cara pobre sobrando, e essa retruca alegando que “dinheiro não é tudo, Jett”, e ele em tom irônico responde “não quando você o tem”. De certa forma, e pelo que o filme mostrou até aí, Jett não está completamente errado. A própria Leslie, paixão da vida dele, só estava no Texas naquele momento porque um homem rico, dono de mais de meio milhão de hectares de terra, conseguiu a permissão do seu pai para levá-la para outro Estado consigo. Se até Leslie, com todo seu aparente descaso com o dinheiro, só conseguiu se apaixonar por um homem rico, não é absurdo pensar que infelizmente a evolução do ser humano esteja diretamente ligada a evolução do seu bolso, ou que evoluir para os olhos de quem vê seja muito mais importante que evoluir para o que você acha certo sendo evolução. E quando Leslie se despede de Jett o óleo negro surge do chão.

O tempo passa mais. Enquanto Leslie e Bick vivem (ou sobrevivem) em um casamento resumido pelo marasmo, Jett vira um dos maiores produtores de petróleo do mundo. Enquanto Leslie e Bick resumem sua vida a encaminhar o futuro dos seus filhos, agora ja crescidos, Jett resume sua vida a fazer a mágica da multiplicação das verdinhas. O pensamento conservador de Bick em apenas produzir gado em suas terras o deixa para trás no mercado econômico, enquanto Jett vai se tornando uma das pessoas mais poderosas do mundo no ramo do petróleo. Bick é obrigado a se render a Jett e admitir que a pecuária já não tem como concorrer com os poços de petróleo, e cede a pressão de deixar Jett perfurar suas terras por um preço bem razoável. E então finalmente a virada que o filme tanto sugestionava acontece: o peão vira rei e o patrão cavalo. Mas mesmo assim… Leslie ainda está com Bick. Jett ainda está sozinho. Jett está absurdamente rico, como Bick jamais sonhou ser. Mas de certa forma, nada muda, a não ser por Jett, que de um pobretão espirituoso, vira um ricaço preconceituoso e infeliz. Acabam-se os lados bons, Jett vira Bick e a obviedade da história vai pros ares.

É nessa parte que as mudanças começam a acontecer e o diálogo de antes entre Jett e Leslie se torna tão importante. O tempo passa, de novo. Bick agora já não tem mais a pressão de cuidar de suas terras, já está com a vida feita devido ao “presente” que recebeu de Jett por deixar suas terras serem perfuradas. Seus filhos decidem não mais seguir seu caminho, e um deles, o qual Bick tinha depositado todas as esperanças quanto a seguir com a tradição da família, além de resolver seguir o caminho da medicina, se casa com uma imigrante. Bick inda é o preconceituoso de antes, só que mais “relaxado”. O ambiente o transformava aos poucos em um cara não tão ruim. Então ele e toda sua família são convocados a comparecerem em uma festa onde o homenageado será Jett que falará através do rádio para o País inteiro. No momento em que deixou com que suas terras fossem perfuradas, praticamente virou um funcionário de Jett, e então, sem escolha, vai, com toda sua família. E é aí, quando os dois homens ficam cara a cara mais uma vez que temos a real dimensão do quanto o externo pode corromper o interno, que o que importa é o que nos cerca, e não exclusivamente o que somos. Jett é um beberrão (antes não era), arrogante (antes nem tinha como ser) e o preconceito exalava pelos seus poros. Enquanto Bick continua mudando e surpreendendo, como quando se enfurece por saber que algumas cabeleireiras se negaram a atender a esposa de seu filho por essa ser imigrante, a mando de Jett. Ou quando já no caminho de volta da festa, Bick e parte da sua família (incluindo aí a esposa imigrante de seu filho), param em um restaurante de beira de estrada para tomar café. O dono do restaurante é praticamente o reflexo de Bick alguns anos atrás, de Jett, agora, da suposta América evolutiva com seus poços de petróleo, ou da América antiquada, onde a pecuária prevalecia. O dono do restaurante era o símbolo da América estagnada que os cercavam, e das pessoas que a faziam. Bick se revolta ao ver esse homem expulsando uma família de imigrantes apenas por serem imigrantes, e parte pro soco com o sujeito. O homem preconceituoso que era Bick, agora lutando apenas pela honra e justiça de pessoas que ele nem conhecia. Uma evolução de caráter. Evoluiu porque deixou de ser preconceituoso e um idiota? Principalmente por que descobriu o que realmente traz satisfação para ele. E o que o fez evoluir? Esse é o final feliz? Ainda tem Jett…

Jett se torna o vilão? Não, o único pecado de Jett foi gostar tanto de Leslie ao ponto de não conseguir ter mais ninguém ao seu lado, e, em conseqüência ter como maior amante suas conquistas financeiras. Ele foi corrompido pelo mundo por não ter ninguém que o puxasse de volta. Bick era tão ruim ou pior que Jett, e mesmo assim teve sua redenção, teve Leslie, seu filho… Jett não teve a mesma sorte, e foi tragado pela podridão que o cercava. Onde que Bick acertou e onde Jett errou? Qual caminho que fez com que Bick e Jett alcançassem o desfecho que tiveram? Não fosse Bick ir à fazenda comprar o cavalo; não fosse ele ter conhecido Leslie; não fosse Luz ter morrido em acidente com esse mesmo cavalo; não fosse ela ter deixado as terras para Jett; não fosse Leslie ter descoberto o petróleo nessas terras; não fosse Bick ter impedido – mesmo que de forma preconceituosa – Leslie de viver rodeada ao mundo da política, economia, etc, e, de certa forma, a alienando da podridão, criando nela um mundo a parte do seu, que no final foi a sua própria salvação… A redenção nunca teria acontecido. Foi preciso um testamento, um passo em falso… Para que um homem tenha de fato evoluído, e em contra partida, para outro ter levado uma vida de merda. Bick então era melhor que Jett? Pode até ser, mas acho que o que definiu a mudança dos destinos dele foi algo muito mais fora do controle: a sorte. Não teve erro ou acerto, teve o acaso. Eu coloco os três personagens em um estado inicial igual. Aliás, todos os personagens do filme são um reflexo do mundo onde vivem. Todos começam como macacos, que podem chegar a seres humanos ou voltar para girinos, dependendo do ambiente que os rodeiam. Leslie foi criada em uma fazenda, Bick foi criado no meio da pressão de ser e ter mais, e Jett em um mundo onde foi e teve menos, mas sempre vendo quem era e tinha mais. Claro que não se pode desconsiderar a índole, mas não existe nada mais corruptível que o próprio mundo que o cerca, e isso que foi moldando o caráter de cada um deles. Bick foi salvo por Leslie, Jett quis tanto Leslie que seguiu o caminho “errado”. Mas o “vilão” virou “mocinho”, e o mocinho… Se fudeu. Onde o verdadeiro vilão da história era o mundo, os mais (bem mais) de meio milhões de hectares que eles pisavam.