quarta-feira, 24 de março de 2010

O Livro de Eli (Albert Hughes e Allen Hughes, 2010) - 8


Eli é um Messias, um ser enviado por Deus para resgatar seus ensinamentos e devolver novamente para população a capacidade de ter fé. E isso seria chato pra cacete. Mas Eli não é um Messias comum, não desses que os livros históricos nos contam, ele é praticamente uma inquietação divina personificada, como se Deus estivesse de saco cheio do que isso se tornou, e das pessoas que nos tornamos, e dessa vez não enviasse alguém que estivesse disposto a ser crucificado pelos seus pecadores, ou tivesse o altruísmo elevado de implorar pelo perdão desses até no momento da sua morte, não, dessa vez o enviado resolve tudo da única forma que esse mundo parece entender: na bala.

Um clarão toma conta do mundo, os raios de sol rasgam a terra e acabam com a imensa maioria da população. Isso não é mostrado, apenas explicado. E essa ação faz com que os poucos sobreviventes vivam em um mundo cinza, de perdas, tomado por subtrações extremas, onde a água vira um produto de luxo, o verde praticamente deixa de existir, o canibalismo se torna quase tão banal quanto ser vegetariano, e, a principal mudança de todas: o extermínio da religião. 30 anos se passaram desde o clarão, os livros que continham esses ensinamentos foram destruídos, e a fé que as pessoas carregavam foram evaporando, de modo que um "amém" se torne uma palavra estranha, fora do vocabulário comum. Com isso cria-se um povo sem medo de consquências futuras, movido apenas pela satisfação do próprio desejo, e cabe Eli tentar levar a palavra de Deus novamente para as pessoas, proteger o último exemplar da Bíblia sagrada que restou no mundo.

Acontece que mais pessoas querem tomar posse desse livro. Usa-lo de forma inversa, como arma, transformar a fé em medo, controlar as pessoas mais influenciaveis. E então Eli ta ali [/ginga] pra protege-lo da forma que pode, da única forma que esse "novo" mundo entende: com a violência extrema. O cara realmente não parece desse mundo, parece um anti-herói tirado de algum quadrinho do Frank Miller, que quando o bicho pega, ele vira um demônio. As cenas de massacre (geralmente é um massacre), são de encher os olhos, com um Eli doente, decepando, desmembrando, desfigurando, metendo bala de 12 na cabeça de qualquer nego que tente tocar os dedos imundos no livro. Ele ta com Deus do seu lado, Deus, uma shotgun, e um facão selvagem que corta carne como se fosse pudim, e tudo isso com a benção do paizão [/ginga].

E tem o visual do filme, que é impressionante também. A fotografia dele já tinha chamado minha atenção no trailer, e realmente é parte fundamental pra dar a real impressão de que aquele mundo ta morto, ou quase que irremediavelmente ferido. Ele tem um visual marcante demais, bonito demais, aposto agora que vai ser o grande vencedor nessas categorias técnicas de quase qualquer premiação que concorrer. O som é coisa de louco, a cena em que uma metralhadora giratória estridente explode uma casa no meio do nada é uma das experiências mais definitivas que eu senti em se tratando de som, é como se aquelas balas te incomodassem mesmo, como se estivesse do teu lado. Técnicamente ele é perfeito demais.

Os que curtem metáforas até no catarro vão se esbaladar aqui, e os que colocam a forma acima de tudo, também vão ter muito o que aproveitar. Muito bom filme, baita surpresa.

sábado, 20 de março de 2010

sexta-feira, 19 de março de 2010

Ilha do Medo (Martin Scorsese, 2010) - 9,5/10




Tem spoilers pra caramba, então quem não assistiu ainda não leia.


Que maravilha que é esse filme. De um simples e bom thriller policial, ele se transforma em uma caminhada bizarra pelos corredores daquela mente surtada. A forma que o Scorsa faz essa transição é absurdamente genial, não esconde o jogo pra maximizar o impacto final, pelo contrário, pouco antes da metade ele já começa a derrubar praticamente todas as camadas, fazendo com que a realidade que o personagem criou comece a derreter diante dos nossos olhos, calmamente. O equilibrio vai desmoronando, de uma hora pra outra ele começa a vestir aquelas roupas brancas e parece totalmente enquadrado no local. De uma hora pra outra os surtos de dores de cabeça revelam algo bem mais doentio, bem mais podre escorrendo por aquele cérebro. De uma hora pra outra nos damos conta que aquele cara é doente, e quando isso finalmente acontece, o Scorsa já nos colocou faz tempo dentro daquele mente afetada. E lá dentro é um terror, o Scorsa vai fundo, cria cenas de uma força extrema. É classudo demais isso aqui, a cena em que o DiCaprio fuma um cigarro dentro da sala do diretor, e logo em seguida alucina com a imagem da mulher com os três filhos caídos aos seus pés, mortos, putz, é dos momentos mais fantásticos da filmografia desse cara. A ala C consegue ser mais aterradora do que os boatos sugestionavam, o ninho perfeito pra abrigar aquela loucura descontrolada. E o final é uma coisa linda demais, tanto visualmente quanto na força do impacto da mensagem. Isso aqui ta no nível de qualquer um dos considerados grandes do Scorsa. Por enquanto melhor filme do ano, tranquilamente.

segunda-feira, 15 de março de 2010

A Bruma Assassina (John Carpenter, 1980) - 9,5




Esse é mestre até dizer chega. Ele consegue transformar aquela névoa em um ser vivo, pulsante, a filma com tanta força que por vezes até parece ganhar forma, como a de um lobo circulando uma presa, com calma, pronto pra dar o bote, ou até de um dedo insinuante te chamando pela fresta de uma porta, ou de um etc. Aquela névoa vira tudo, ele a filma com tanta elegância, com tanto respeito em aguardar todas as possíveis metamorfoses que ela poderia sofrer, que a cena ganha uma força visual absurda, é lindo demais ver a névoa deslizando por aquela cidade, calmamente, como se fosse farejando a procura de sobreviventes da ilha.

Fora que é tenso pacas. Muitas vezes ele foca o horizonte sem mostrar nada, apenas sugestionando que seja lá o que for, está chegando, e enraivecido, e então quando finalmente surge, banhada de luz, devorando tudo pela frente, criando muros em volta das casas, pra logo em seguida ouvirmos o som do gancho batendo na porta... E isso sendo narrado por aquela voz veludoza, e por vezes desesperada, ao fundo. É das coisas que só o Carpenter faz para você.

Mais uma OP desse velho que certamente já conheceu a parte negra do outro lado e agora voltou pra nos contar como é.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Um Olhar do Paraíso (Peter Jackson, 2009) - 6,5


Eu achei esse filme muito bem intencionado, a execução é que ainda to em dúvida. Achar ruim eu não achei, então to entre o médio ou o bom mesmo, ótimo seria difícil. Gostei de muitas coisas, gostei visualmente do universo paralelo que ele criou. gostei desse tom de fábula moderna misturada com realidade nojenta. Gostei das cenas de suspense que ele entrega, sempre com um bom nível de tensão e etc. E a coisa que eu mais gostei, e que é a mais perigosa de executar, é a forma que ele se entregou totalmente à história, no sentido de se emocionar mesmo com o que ta querendo dizer. Pq é perigoso? Pq muitas vezes ele passa do tom, chegando a ser piegas, brega mesmo. E pq de certa forma foi decisão acertada? Pq o filme ficou bastante vivo, parecia ta sendo filmado por alguém que perdeu a filha e quer homenagear ela. Aliás, quando o assunto é esse, pelos olhos de um pai apaixonado, tem como deixar de ser melodramático? Achei uma decisão corajosa, de abdicar um pouco do cinismo e se jogar de cabeça mesmo. Mas, algumas vezes passou do tom. E curti o psicopata também, e os tiques estereotipados dele. Tu consegue sentir um nojo legal.

E o que eu definitivamente não gostei foi do Mark Wahlberg. Hei, ele tava no filme? Sério, o cara tava com a cabeça em qualquer lugar, menos aqui. Nunca tinha visto uma atuação dele tão over, tão capenga, sem sentimento. Ok, em Fim dos Tempos ele tava assim, mas propostas diferentes, naquele filme eu achei legal.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Watchmen (Zack Snyder, 2009) - 9


Como assisti só agora não sei qual foi a birra do pessoal, já que não li nada do que comentaram. Mas eu achei a trilha foda demais, nem um pouco deslocada, mas sim enquadrada de uma forma que fez aquela imagem me empolgar muito. Tanto Simon and Garfankel, quanto o Dylan quanto o etc. Muito, muito legal mesmo. E poucas vezes eu curti tanto o recurso da câmera lenta em ação quanto aqui, aquela briga limpa, no sentido de não ter frescuras coreográficas nenhuma, é tudo direto, violento, um soco na cara e o nariz entrando pro cérebro, um chute na coxa e o fêmur saindo pelo joelho. Caiu muito bem pro clima do filme, que é aquele negócio de desglamorizar toda mitólogia do herói, como se isso entrasse em choque com a realidade comum e fosse corrompida, virando apenas uma figura distorcida dessa própria realidade - mais ou menos como em Corpo Fechado, mas aqui ele amplia mais essa possibilidade, vai mais fundo. Ficou bem bom.

E nenhum personagem ali seria suficientemente interessante pra levar o filme sozinho. Parece que são personagens a pilha, eles tem um tempo certo de utilidade, tem um grau especifico de possibilidades a serem exploradas em cada um, e muito bom que o diretor se da conta disso e não extrapola. Cada um tem o seu tempo, tem sua função, e são colocados de uma forma que não se deixam saturar. Me lembrou um pouco Bastardos Inglórios nesse sentido (claro, em uma intensidade bem menor, e os personagens não são tão interessantes quanto nesse filme, enfim). Gostei bastante mesmo, dos melhores filme de heróis que já vi.

O Casamento de Rachel (Jonathan Demme, 2008) - 9


Putz, esse filme é bastante forte, bem mais do que eu pensei que poderia ser. E um dos maiores méritos do Demme é aquela câmera indiscreta, e tão inquieta quanto a personagem. Ele filma a Kim de um ponto de vista praticamente neutro, transformando a câmera em um olhar frio, julgador mesmo. É muito legal como ele "abandona" a personagem em certos momentos, como por exemplo, na festa de ensaio, e vai simplesmente passear por aquele salão, filmar a alegria pura. E nossa, até nisso o cara é bom demais. E então, vez ou outra, de longe ele mostra toda a inquietação dela com os olhares julgadores que apenas ela acha que estão a encarando. Enquanto pra nós parece apenas egocentrismo, inveja, carência. Claro, já que nesse momento não temos idéia do que já aconteceu, o julgamento que ela diz que sofre provavelmente seja o nosso. E no momento em que ela pede pra fazer o discurso, putz, o constrangimento chega ultrapassar a tela, tamanha a força dessa câmera, dessa situação criada por ele, e por essa atuação magnifica da Anne Hathaway.

Desde o começo ele a filma de cima, mostrando que tem algo errado mas sem dar a real gravidade disso. E é quando ele finalmente revela o o passado naquela reunião que tu sente todo o peso do filme. Não tem como não se sensibilizar, como reavaliar conceitos, como encarar a personagem com outros olhos. E não só ela, todos os outros ganham uma nova perspectiva. A atuação do pai é uma das mais sufocantes que eu assisti. O cara ta foda demais. A qubra de perspectivas na cena dos pratos é um "putz" violento. A barreira que a mãe cria em relação a ela se torna bem justificável, por mais cruél que possa parecer, e é foda ver o esforço que ela faz pra tentar quebrar isso, mas sempre causando uma espécie de asco com uma aproximação maior. Depois da revelação todos os momentos tu se vê pisando em ovos, aquele lugar vira um poço de tristeza escondido no dia mais feliz do mundo. Mas é triste mesmo. O elenco ta maravilhoso. Me surpreendi muito, não tava esperando nada desse nível.